Ouvi ontem, no noticiário, notícia sobre descontentamento dos portugueses com o tão falado Acordo Ortográfico. Há um movimento pras bandas de lá que está tentando liquidar com esse Acordo, ou seja, voltar à estaca zero. Vou me isentar de emitir qualquer opinião a respeito, pelo menos neste momento.
Não posso deixar de registrar, entretanto, o fato que me pareceu bastante interessante: as consoantes mudas caíram, segundo o Acordo. Essa regra não nos atinge significativamente, mas aos portugueses, sim. Então, a palavra "facto" (no sentido de acontecimento)passa a ser grafada "fato". Só que, pra eles, "fato", sem o "C" significa terno. E aí é uma confusão mesmo...
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Com Acordo ou sem Acordo, é belo, belíssimo, ler literatura dos nossos países irmãos. Hoje estou lendo "O fio das missangas", de Mia Couto, escritor moçambicano. E que riqueza sua prosa poética, seus contos que fazem as vezes de missangas, entrelaçados por um tênue fio.
"Evelina: a bordadeira
(...)
Dizem que bordava aves como se, no tecido, ela transferisse o seu calcado voo. Recurvada, porém, Evelina, nunca olhava o céu. Mas isso não era o pior. Grave era ela nunca ter sido olhada pelo céu.
Às vezes, de intenção, ela se picava. Ficava a ver a gota engravidar no dedo. Depois, quando o vermelho se excedia, escorrediço, ela nem injuriava. Aquele sangue, fora do corpo, era o seu desvario, o convocar da amorosa mácula.
Em ocasiões, outras, sobre o pano pingavam cristalindas tristezas. Chorava a morte da mãe? Não. Evelina chorava a sua própria morte."
Lindo demais. É fato. Ou facto. Sei lá.
Um comentário:
lindo trecho! remete a figura mitológica da Penélope, mas de uma forma única, poética, sensível.
o Mia Couto vale cada palavra que escreve, e nós leitores só agradeçemos por encontrar essa literatura, e em língua Portuguesa.
(suspiros)
beijos!
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