quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Ossos do ofício

Se você já leu qualquer livro de literatura estrangeira, de Dan Brown a Dostoiévski, pergunto: o que achou da tradução feita?

É uma pergunta difícil de ser respondida. A não ser que você conheça a obra no idioma original. Mas, de qualquer forma, é quase improvável que você tenha pensado de fato na mão do tradutor naquele livro ali. Geralmente, a gente pensa: o livro é bom, é ruim, o autor é bom, é ruim, gostei, ou não gostei. Ponto final. Mas, e se o autor for bom e a tradução for ruim? E se o livro de que você gostou tanto era “mais ou menos” e o tradutor fez um trabalho legal?

A minha preocupação com esse ofício não é novidade, não a atribuam ao fato de que, ora bolas, vou fazer o bacharelado em tradução e por isso comecei a pensar no assunto. Durante minha licenciatura em Letras, estudei o tema também. Li um livro fantástico, chamado “Memórias de Tradutora”, que me despertou a atenção para essa questão. A autora, Rosa Freire D’aguiar, dizia que o tradutor é como um vidro: se faz um trabalho bom, ninguém enxerga, ninguém comenta; se faz um trabalho ruim, é como se o vidro estivesse sujo, todo mundo sabe (ou pelo menos imagina) que houve algum problema. E a tradução é um trabalho árduo: é necessário, em tal ofício, muito mais do que dominar dois idiomas; é preciso conhecer muito bem o idioma para o qual se está vertendo a obra, pois não adianta nada saber o que significa tal expressão se não souber qual é a expressão que melhor corresponde no idioma para o qual se está traduzindo. E aí, queixa-se Rosa Freire: “Tanto trabalho, em troca de quê? Às vezes tenho a impressão de praticar uma atividade clandestina: o reconhecimento intelectual e social do tradutor, embora crescente, ainda é modesto; é raríssimo que alguém, já não digo elogie, mas comente o seu trabalho. Certos críticos e mesmo certos editores têm um desprezo olímpico pelos tradutores.”

Falo sobre isso também porque li, na Revista Bravo, um texto (escrito pelo Fabrício Carpinejar) sobre o autor e tradutor Mário Faustino, ao qual foi atribuída “a valorização da recriação na tradução”. Está mais do que óbvio, traduzir é um processo de recriação. Buscar saídas para aquelas palavras ou expressões que não têm tradução na nossa língua. Traduzir é a procura incessante de alternativas. Como exemplo, cito o título “The catcher in the rye”, que foi traduzido para o português como “O apanhador no campo de centeio”, do Salinger, que citei no post anterior. O tradutor teve um trabalho imenso para chegar a esse título, ainda mais considerando as exigências do próprio autor.

Bom, enfim, eu sei bem onde estou me metendo.

E você, que provavelmente nunca tinha parado pra pensar nesse assunto, pelo menos comece a procurar, a se informar, no mínimo, do nome de quem fez a tradução daquele livro estrangeiro que você tanto adorou. O tradutor agradece.


***



A propósito, por que raios eu fui inventar de fazer o bacharelado em tradução? Explico:

Meu pai, que é uruguaio assim como minha mãe e minha irmã, reclamou-me um dia:

- Tenho duas filhas formadas em Letras (minha irmã também é professora de literatura) e nenhuma delas quis dar continuidade ao legado da família. Têm a faca e o queijo na mão (no caso, falar espanhol, crescemos falando esse idioma em casa) e não aproveitam!

Pois é. Aproveitando meu gosto pela literatura latino-americana e levando em consideração a reclamação de meu pai, resolvi encarar.

Quando eu tiver esse diploma na mão, é a eles, a meus pais, que o dedicarei.

Nenhum comentário: