terça-feira, 9 de setembro de 2008

Como nossos pais

Eu tinha seis anos quando a minha mãe me mandou ao armazém comprar uma coca-cola, que, naquela época, era vendida a litro, em garrafa de vidro. O casco era trocado na nova compra.

A recomendação que ela me fez foi expressa: "leva a garrafa vazia numa sacola de supermercado! (que naquele tempo não era de plástico, era de pano, resistente e ecológica). Tu podes cair e te 'lastimar' (no seu bom espanhol)". Eu, me achando a maioral, recusei. "Pode deixar que levo a garrafa na mão". E lá me fui pela rua de paralelepípedo...

Chegando a uma quadra do armazém, plaft, tropecei numa pedra e me arrebentei no chão. O casco se partiu. Fui salva por uma vizinha que, compadecida de meus gritos: "não conta pra minha mãe que ela me mata! não conta!" me arranjou uma garrafa vazia, foi comigo até o armazém e me entregou no portão da minha casa sã e salva. É claro que minha mãe ficou sabendo do fato, mas apenas sorriu, sabendo que, de qualquer forma, eu havia aprendido alguma coisa.

Num outro dia:

- Podes ir ao armazém pra mim? A comida está atrasada! Traz um pacote de lentilha e duas cebolas, por favor. Ah, e cuida pra descer as escadas! É muito escorregadio, podes te 'lastimar'! Cuidado!

A minha mãe tinha sessenta e seis anos quando foi ao armazém para mim, comprar lentilhas. Levou meu filho pela mão. Não caiu na escada. Não recusou minhas recomendações, porque sabia muito bem que faziam sentido. Voltaram os dois, ela com uma sacola na mão, e ele com um pirulito na boca.

Na verdade, nós não crescemos, simplesmente. Aprendemos a ser pais. E nossos pais, pela primeira vez, aprendem a ser filhos. Filhos conscientes de que os conselhos que nós ecoamos, valem para alguma coisa.

2 comentários:

Unknown disse...

Putz, mas que guria mais arteira!
Viu? Não fez o que ela mandou caiu no chão... hehehe

Anônimo disse...

Querida e amada maninha..
Me emocionei alo ler tão bem escrito texto.
Em primeiro lugar, porque falas de pessoas a quem amo muito.
E, em segundo lugar porque, modéstia a parte, fui eu quem te incentivou a ser a escritora que hoje és, através dos livrinhos que te comprei quando eas ainda uma menininha que nem sabia o valor das palavras.
Te amo.